canoa
ah, canoa de um galho só
passa o rio, passa a vida
madeira que não tem nó
atravessa a lagoinha
e o mundo num dia só
eu e a minha canoinha
madeira de um ramo só
pra viagem que é só minha
adeus mata do cipó
tá escrito em minha mão
canoeiro caiapó
vou seguir meu coração
de partir não tenho dó
fui pra mata do cipó
me mudei pro riachão
namorei flor do caminho
e voltei pro meu sertão
levarei cheiro de flor
vou no centro desse rio
vou sorrindo,
vou sem dor
vou ouvindo um assovio
é um pio de passarinho
com meu remo vou sozinho
e quando chegar na terra
canoa será meu ninho

letra: consuelo de paula
melodia: joão arruda
voz: consuelo de paula
voz e craviola: joão arruda
bailado
eu vesti minha saia rendada
e dancei lá no meio do capim
capim verde, capim dourado
saia de seda, fio de cetim
tinha sanfona, tinha viola
crochê, ponto-cruz e bordado
capim verde, capim dourado
tricô, coroa e valseado
teia de aranha, bicho da seda
cocar e colar, minha saia rodada
eu vesti minha saia rendada
floresci lá no meio do
capim capim verde, capim dourado
saia girando na tarde sem fim
desapareci dos olhos do mundo
de mim, só a teia se via
havia sanfona, havia viola
eu e outros bichos dançando quadrilha
com a saia de bailarina
que fizeram para mim

letra: consuelo de paula
melodia: consuelo de paula e joão arruda
voz, violão e caxixis: consuelo de paula
vocais, tambor falante e sementes: joão arruda

sete aroeiras
tenho saudade do jequitibá
das sete aroeiras, do jacarandá
e da palmeira onde eu fiz meu ninho
da mina de água que me fez jorrar da benzedeira com o seu raminho
erva-pimenteira, pé de manacá
arvoredo é, arvoredo é
a mata de onde eu vim
tenho saudade do velho joão bá
do tronco da paineira e do baobá
da terra inteira onde eu passarinho
e da cachoeira que me fez cantar
da curandeira com o seu carinho
clareando a mata com o seu colar
tenho saudade de deitar o olhar
na flor de laranjeira, flor de araçá
na pedra branca, luz do meu caminho
flor de quaresmeira, flor de resedá
do roseiral ouvi um som clarinho
voz de cirandeira comandando o mar
e na fogueira cai devagarinho
ponta de estrela, raio de luar

letra: consuelo de paula e joão arruda
melodia: joão arruda e alik wunder
voz e caxixis: consuelo de paula
voz, harpa mangbetu, conga, vaso e efeitos: joão arruda

canção para Alik
meu amor verdejou o mundo
flor aparecida entre as algas e as folhas
nascida da fronde do bosque
cobriu o tronco de verde
refletiu a mata em seu chapéu de princesa
e apenas por um segundo
saiu de dentro do verde e olhou pra mim
com seus olhos castanhos
letra: consuelo de paula
melodia: joão arruda
voz: consuelo de paula
craviola: joão arruda
saudade
saudade é arvoredo dentro de mim ramalhedo
antes do sol, depois do fim
é rochedo tempo bom,
tempo ruim
ah meu coração tupiniquim
saudade é arvoredo dentro de mim
é folguedo
além do mar, n’outro jardim
labareda
meus olhos mirando enfim
a mata de onde eu vim
sodade
letra: consuelo de paula
melodia: joão arruda
voz: consuelo de paula
craviola e cabacítara: joão arruda
d’água
água em meus olhos
tenho um mar dentro de mim
de tanto amar tenho rios pra te dar
cada gota que escorre
é um novo rio
olho d’água,
olho d’água
vou cantar maré
vou chamar pajé
vou lembrar guiné
ora yeyê ô, oxum
flora em meus olhos
vou te amar até o fim
depois do mar
tem caminhos, tem luar
cada brilho que explode
é um novo rio
olho d’água, olho d’água
vou dançar toré
bailar catupé
sobre um aguapé
ora yeyê ô, oxum
letra: consuelo de paula
melodia: joão arruda
vocal: consuelo de paula
voz e viola: joão arruda

arvoredo
minha casa é madeira
tronco, galho e raiz
minha casa é cordilheira
fiz pra gente ser feliz
luz que vaza da janela
no quintal tem flor de anis
rosa branca e amarela
manacá e jabutis
arvoredo, arvoredo
fronde, folha e chafariz
arvoredo, arvoredo
o país que eu sempre quis
vou chamar joão bá e a rosa dos ventos
eu, minha amada e alguns sacis
vou chamar sabiá, vou tocar barravento eu, minha fada e os kariris/kiriris
xukuru-kariris, rio verde, alik, lui, guaranis bacurau, colibris, rio grande, akili, liu, kanuris
minha casa é aberta
meu lugar de aprendiz
minha casa é floresta
flor do campo, flor-de-lis
minha casa é ribeira
pedra branca, bem-te-vis
minha casa é mineira
arco-íris, um país
xukuru-kariris, rio verde, alik, lui, guaranis
bacurau, colibris, rio grande, akili, liu e os puri

letra e melodia: consuelo de paula
voz: consuelo de paula
vocal e viola: joão arruda
companhia
construí uma ponte
até o meio do rio
dá pra ver o horizonte
e os dois braços do rio
a montanha distante
que da ponte espio
como um viajante
nela me refugio
e bem perto de mim
lambari, matrinchã, tambaqui, aruanã
prossegui numa ponte
até o fim do caminho
avistei horizontes
e os dois braços do rio
grande céu diferente
céu que nem pronuncio
vi um índio xavante
pena de passarinho
e bem perto de mim
maguari, jaçanã, tachuri, aracuã
bem-te-vi numa ponte
no abismo do rio
de um lado a semente
e a relva no cio
do outro o xavante
a montanha e um fio
uma luz transparente
no mistério do rio
e bem perto de mim
guanandi, tucumã, timburi, flamboyant

letra: consuelo de paula
melodia: joão arruda
voz: consuelo de paula
voz, violão e viola: joão arruda
beira de folha
na beira da folha eu vou
na pena da ave eu sou
canto de vento menino
na beira da folha eu vou
sou filho da ventania
o rio que não secou
mora na minha poesia
clara flor que eu te dou
chora viola
na hora azul do dia
voa viola
brilha no sol do meio dia
olerê, olerê, olerê, olerê iê
na ponta da estrela eu vou
na beira da estrada eu sou ramo de verde menino
na ponta estrela eu vou
sou trilha de uma folia
o rio pra onde vou
dentro da minha poesia
mora o amor que eu te dou
chora viola
no céu do fim do dia
voa viola
brilha no sol da cantoria
olerê, olerê, olerê, olerê iê

letra: consuelo de paula
melodia: joão arruda
voz, violão, caixa e caxixis: consuelo de paula
voz, viola, charango, patangome e sementes: joão arruda

cortejo manancial
quero partir como um galho de árvore que se deita sobre a nascente
de um lado a cachoeira, do outro a flor do campo
seguirei entre as pedras, os peixes e as algas
de um lado a sombra da mata, do outro a luz do sol
quero partir como quem mata a sede
seguirei o curso do rio num cortejo manancial
descerei levemente do barranco e aos poucos
como quem encosta na água pra ouvir uma canção descansarei
quero partir como um galho de árvore que se deita sobre a nascente
de um lado a vida, do outro a morte
seguirei entre as serras, os feixes e as aves
de um lado a vida que passa, do outro o azul do céu
quero partir como quem refresca a alma
cantarei no berço do rio num ritual de agradecimento
lembrarei do seu sorriso amigo e aos poucos
como quem deixa se levar pelo humano coração recomeçarei
letra: consuelo de paula
melodia: joão arruda
voz: consuelo de paula
voz, viola, tambor falante e sementes: joão arruda